A inexigibilidade de licitação é um mecanismo da legislação brasileira que permite contratações diretas pela Administração Pública quando não há possibilidade de competição. Marçal Justen Filho (2021) explica que a inviabilidade de competição ocorre quando “não se encontram presentes os pressupostos para escolha objetiva da proposta mais vantajosa”. Em outras palavras, se a Administração tentasse licitar, não teria sucesso.
Entre as hipóteses mais comuns, destaca-se a contratação de fornecedores exclusivos, prevista no artigo 74, inciso I, da Lei nº 14.133/2021. Para que a contratação direta seja legítima, é indispensável comprovar a exclusividade do fornecedor ou do produto.
A comprovação dessa exclusividade deve ocorrer por meio de documentos específicos, como cartas e atestados de exclusividade. Contudo, aceitar tais documentos sem uma verificação criteriosa pode comprometer a regularidade da contratação e abrir espaço para irregularidades. Por esse motivo, o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos de controle vêm alertando sobre o uso indevido de cartas emitidas pelos próprios fabricantes e reforçando a necessidade de provas mais robustas para evitar direcionamentos indevidos.
Diante desse cenário, este artigo apresenta critérios para comprovar a exclusividade. Além disso, analisa a diferença entre carta e atestado de exclusividade, os requisitos para sua aceitação e as orientações da jurisprudência, com destaque para o Acórdão TCU nº 2569/2018-Plenário. Por fim, traz boas práticas recomendadas para instruir os processos de inexigibilidade, garantindo transparência e eficiência na contratação de bens e serviços exclusivos.
2. Conceitos Fundamentais
2.1. Exclusividade nas Contratações Públicas
A exclusividade ocorre quando apenas uma solução ou um único fornecedor consegue atender às necessidades da Administração Pública. Isso acontece, por exemplo, quando:
- há patentes ou direitos autorais que asseguram exclusividade ao detentor da tecnologia;
- o produto depende de soluções tecnológicas proprietárias;
- um prestador de serviço possui conhecimento técnico único e insubstituível;
- ou quando apenas uma empresa tem autorização legal para comercializar determinado produto.
Assim, a legislação autoriza a contratação direta nesses casos, desde que a inviabilidade de competição fique comprovada de maneira clara e documentada. Essa comprovação deve ser robusta, pois a inexigibilidade é exceção ao princípio constitucional que exige licitação (art. 37, XXI, da Constituição Federal).
2.2. Diferença entre Carta de Exclusividade e Atestado de Exclusividade
Dois documentos costumam comprovar a exclusividade do fornecedor: a carta de exclusividade e o atestado de exclusividade. Embora possam parecer semelhantes, eles têm naturezas distintas e efeitos jurídicos diferentes.
A carta de exclusividade é uma declaração emitida pelo próprio fabricante ou fornecedor, afirmando que determinado revendedor é seu representante exclusivo para certo produto ou serviço. Ela tem validade limitada, pois apenas demonstra exclusividade em relação ao fabricante, e não no mercado como um todo.
Já o atestado de exclusividade é um certificado emitido por entidades imparciais, como sindicatos, federações, confederações patronais ou órgãos de registro de comércio. Esse documento confirma que o fornecedor é o único capaz de oferecer determinado produto ou serviço. Por essa razão, ele possui validade jurídica mais ampla e atende aos requisitos legais para comprovação da exclusividade.
De acordo com o Acórdão TCU nº 2569/2018-Plenário, cartas emitidas pelos próprios fabricantes não comprovam exclusividade. Isso ocorre porque o fabricante pode conceder exclusividade a um revendedor, embora existam outros distribuidores do mesmo produto. Assim, o documento válido é o emitido por entidade independente.
Além disso, mesmo quando um atestado é emitido por entidade habilitada, ele não basta por si só. A Administração deve confirmar a veracidade das informações e adotar diligências adicionais, evitando o uso indevido da inexigibilidade.
2.3. Base Legal para a Comprovação da Exclusividade
A comprovação da exclusividade está expressamente prevista na legislação brasileira. Os principais dispositivos são:
- Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações):
O art. 74, §1º, exige que a inviabilidade de competição seja demonstrada por atestados, contratos, declarações do fabricante ou outro documento idôneo. - Súmula nº 255 do TCU:
Determina que, sempre que a exclusividade for alegada, o gestor público deve verificar a veracidade da documentação.
Portanto, não basta apresentar um documento formal. É necessário comprovar, de forma objetiva e mediante diligências e pesquisas, que o fornecedor é de fato exclusivo.
3. A Jurisprudência do TCU sobre a Comprovação de Exclusividade
A correta comprovação da exclusividade é tema recorrente no TCU. O tribunal estabelece diretrizes para evitar contratações indevidas e garantir que a inexigibilidade não seja usada como forma de restringir a concorrência. Além disso, suas decisões têm orientado gestores públicos sobre como avaliar a documentação apresentada.
3.1. Acórdão TCU nº 2569/2018-Plenário
Esse acórdão é um marco sobre o tema. O TCU identificou que vários fabricantes de software emitiam cartas de exclusividade para revendedores específicos, mesmo existindo outros distribuidores. Essa prática, portanto, frustrava a competição.
O Tribunal decidiu que apenas entidades independentes — como Juntas Comerciais, Sindicatos e Federações — podem emitir atestados de exclusividade. Cartas assinadas pelo próprio fabricante não comprovam exclusividade e não devem fundamentar contratações diretas.
O TCU também reforçou que o gestor deve adotar medidas para confirmar a veracidade das declarações. Afinal, o simples fato de o fabricante afirmar que um revendedor é exclusivo não significa que não existam alternativas no mercado. Dessa forma, cabe ao agente público agir com diligência e justificar tecnicamente suas decisões.
3.2. Reflexos da Jurisprudência na Nova Lei de Licitações
A Lei nº 14.133/2021 incorporou princípios e entendimentos já consolidados pelo TCU. O artigo 74, §1º, reafirma que a exclusividade deve ser comprovada com base em documentação idônea e verificável.
Além disso, o Tribunal entende que o gestor deve realizar diligências complementares para garantir que a inexigibilidade seja realmente justificada. Dessa forma, é necessário verificar a contemporaneidade do atestado e pesquisar o mercado antes da contratação.
A Súmula 255 do TCU também reforça esse dever: cabe ao agente público confirmar a veracidade da condição de exclusividade, sob pena de irregularidade do ato administrativo. Assim, a comprovação da exclusividade é uma responsabilidade direta do gestor e não pode ser delegada apenas ao fornecedor.
4. Meios de Comprovação da Exclusividade
Comprovar exclusividade é uma das etapas mais sensíveis das contratações diretas. Apenas um documento não é suficiente para justificar a inexigibilidade. É necessário reunir várias evidências que demonstrem a inviabilidade de competição.
Na prática, a Administração deve combinar documentos, pesquisas e diligências. Isso inclui comprovar que outros órgãos já contrataram o mesmo fornecedor em condições semelhantes, demonstrar a ausência de concorrentes e apresentar análises técnicas sobre o objeto.
Joel de Menezes Niebuhr reforça que o agente público deve ir ao mercado, investigar possíveis fornecedores, consultar catálogos e registrar todas as diligências de forma formalizada. Dessa forma, garante-se transparência e rastreabilidade.
4.1. Requisitos para Validade de um Atestado de Exclusividade
Para que o atestado seja considerado válido, ele precisa:
- Conter informações detalhadas sobre o produto e o fornecedor.
- Indicar expressamente que o fornecedor é o único no mercado nacional.
- Mencionar o alcance territorial da exclusividade.
- Ter data recente e refletir a realidade atual do mercado.
- Ser emitido por entidade independente e idônea.
Esses requisitos, portanto, garantem que o documento atenda à finalidade legal e asseguram maior segurança jurídica ao processo.
4.2. Como Obter um Atestado de Exclusividade
O fornecedor pode seguir alguns caminhos para obter o atestado:
- Solicitar o documento à Junta Comercial, que apenas certifica registros arquivados.
- Requerer o atestado a um Sindicato, Federação ou Confederação Patronal.
- Complementar a comprovação com pesquisas de mercado, declarações de especialistas e pareceres técnicos.
Em todos os casos, é importante que a documentação seja clara, atual e verificável. Assim, o processo ganha legitimidade e resiste melhor à fiscalização dos órgãos de controle.
4.3. Riscos e Boas Práticas na Comprovação da Exclusividade
A Administração precisa agir com cautela ao analisar exclusividades. Entre as boas práticas estão:
- Solicitar mais de um tipo de documento.
- Realizar pesquisas formais de mercado.
- Analisar o conteúdo do atestado com atenção.
- Reavaliar a exclusividade periodicamente durante o contrato.
- Evitar dependência tecnológica, especialmente em contratações de software.
A simples afirmação de um fornecedor não é suficiente. A Administração deve comprovar que não há concorrentes e que o atestado é legítimo, atualizado e idôneo. Além disso, deve registrar todas as etapas de análise e justificar sua decisão de forma transparente.
Conclusão
Comprovar a exclusividade de forma correta garante que a inexigibilidade de licitação seja utilizada apenas em situações legítimas. Quando o agente público segue boas práticas, conduz diligências e verifica as informações de forma crítica, ele fortalece a transparência e protege o interesse público.
Assim, a Administração evita riscos, assegura a eficiência e reforça a integridade nas contratações diretas. Em síntese, comprovar bem é contratar com segurança.
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